O Ministério Público do Trabalho registrou, no ano de 2022, um crescimento nas atuações sobre trabalho escravo doméstico, que resultaram em ações em que se busca o reconhecimento do vínculo de emprego, pagamento de indenização e pensionamento das vítimas.
É corriqueiro que o explorador do empregado doméstico em situação de escravidão, em sua defesa, tente demonstrar que aquela pessoa que, não raro, cuidava de todo o serviço doméstico desde a infância, sem salário, estudo, convívio social, controle de jornada, amigos ou lazer, seja, na verdade, da família, como um filho ou irmão.
A tese de ser essa pessoa “da família” não se sustenta, mesmo diante de um exame superficial dos fatos.
Se é considerado um filho ou irmão, por qual razão todas as demais pessoas da família estudaram e essa não? Ela tem acesso ao mesmo padrão de vestuário e calçados que os demais? Qual o motivo de ser esta pessoa a única ou principal responsável pelo trabalho doméstico familiar? Por que esta pessoa não tem amigos e não tem a liberdade para desenvolver sua rede de convívio social tal como os demais? Se ela é como um filho, houve processo de adoção? No caso de falecimento de alguém da família, será incluída na herança?
O que se nota é que essa pessoa é considerada um familiar apenas para se justificar a falta de reconhecimento do vínculo de emprego e descumprimento das mais básicas obrigações trabalhistas. Entretanto, nenhum vínculo de trabalho, a não ser o escravo, materializa o completo alijamento social e de exercício da cidadania, a ausência de todo e qualquer direito social, e até mesmo o cárcere privado.
Em casos deste tipo, o Ministério Público do Trabalho na Bahia vem buscando o reconhecimento de relação de emprego, com pagamento de todas as parcelas salariais e remuneratórias, indenização, além do bloqueio de bens dos empregadores para se assegurar o pagamento de pensão à pessoa resgatada até o final do processo. As consequências para o explorador, como se constata, são muito sérias, sem falar de outras possíveis responsabilidades, como a criminal, por crime de trabalho escravo.
Além do processo judicial, é feito um trabalho conjunto, com outras instituições parceiras, para reinserir essa pessoa que foi escravizada no convívio social com dignidade, assegurando-lhe os direitos mais básicos, como moradia, alimentação e trabalho.
Por ocasião do dia 28 de janeiro, Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, deve a sociedade permanecer vigilante ao trabalho escravo doméstico e superar a retrógrada visão de que aquela pessoa sem salário, jornada, convívio social, responsável pelo trabalho doméstico, é da família, pois ela é sim escrava.
*Maurício Ferreira Brito é procurador do Trabalho e doutor em Direito
Artigo publicado no site Bahia Notícias.