Aos 8 anos de idade, Valdirene foi trabalhar como doméstica em troca de um punhado de cruzeiros que eram repassados à mãe todo mês. Isso, no fim dos anos 1980. A menina foi entregue à família pela própria genitora, que não tinha mais condições de criar os filhos depois de ser abandonada pelo marido. Valdirene passou, então, a cuidar de crianças quase da mesma idade da dela e a dar conta dos afazeres domésticos, que não eram poucos. “No interior, se diz muito ‘vou levar pra casa pra brincar com meus filhos’, mas, na verdade, faz-se de tudo. Muitas vezes em troca das sobras de comida. O que sobra das próprias crianças eles dizem ‘ah, está limpo’ e botam no seu prato para você comer”, relembra a doméstica, hoje com 42 anos e diretora do Sindicato das Empregadas Domésticas da Bahia. A história de Valdirene é um típico caso de escravidão moderna, uma herança maldita de mais de três séculos de escravização no Brasil, uma ferida aberta até os dias de hoje, mesmo passados 135 anos da Lei Áurea.
O processo de escravização de Valdirene repetiu-se em outras casas e estendeu-se por longos dez anos. Aos 12 anos, depois de ter sido estuprada pelo patrão e de uma breve passagem por outro trabalho forçado no município de Camacã, no extremo sul da Bahia, Valdirene fugiu para Salvador, com a promessa de ter os direitos trabalhistas garantidos em um novo emprego doméstico. Ledo engano. Lá, passou outros quatro anos em cárcere privado, muitas vezes trabalhando sob violência e à base de biscoito e água. Segundo explica, “num vacilo” da patroa escravista, ela conseguiu escapar e chegar à sede do Sindicato das Domésticas, que denunciou o caso ao Conselho Tutelar e ao Ministério do Trabalho. “Infelizmente, não deu em nada. É muito triste a gente passar por tudo isso e um juiz dar ganho de causa ao empregador”, “As pessoas que julgam nossas causas também são empregadores e pensam igual aos patrões.”
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